VALE DO AMANHECER-PROPRIÁ/SE 
UM HOMEM DE DOIS MUNDOS
UM HOMEM DE DOIS MUNDOS

Um Homem de Dois Mundos

Um Homem de Dois Mundos

Preâmbulo

Caro leitor:

Pai João de Enoque, um grande Mestre Planetário que humildemente se apresenta na roupagem de um Preto Velho, costuma dizer no Templo do Amanhecer: “Meus filhos, não adianta somente dar peixes às pessoas, é preciso ensina-las a pescar...”.

Com isso ele quer dizer que não basta curar e tirar as pessoas de suas angústias, mas, que é preciso dar-lhes algo mais, alguma coisa que lhes sirva de guia nas suas resoluções, é preciso dar-lhes uma Doutrina para lhes servir de amparo nas horas amargas, quando têm que tomar alguma decisão.

Essa é a finalidade destes folhetos periódicos, de dar às pessoas uma idéia da vida fora do Plano Físico, do que acontece com a gente depois que desencarnamos, e com isso tomarmos mais cuidado com nossa conduta.

Nossa vida depois da morte depende da maneira como nós vivemos antes da morte...

Nesta história de Marcondes isso fica bem demonstrado. Na Aula proferida pela Clarividente Neiva aos Médiuns do Templo do Amanhecer, houve a oportunidade de se acompanhar a vida desse homem e sua família, desde uma encarnação no século XIX, até que morreu de novo no século XX. De permeio graças à Clarividência de Tia Neiva, pode-se ter uma visão da vida no Plano Etérico, nos estágios evolutivos da caminhada para Deus.

O que mais fica evidente nesta história, é a diferença de pontos de vista da mesma pessoa no Corpo Físico e no Corpo Etérico. Esse drama pode ser percebido por cada um de nós em nossas próprias vidas a cada momento.

Não há dúvida caro leitor, todos nós temos vidas simultâneas e o desafio do momento, de cada um, é de como conciliar dois pontos de vista opostos que se contrariam – lutando no mesmo campo consciencional em nosso íntimo, no lugar onde nosso Eu escolhe os elementos para suas decisões.

 

O Editor.

 

Um Homem de Dois Mundos

 

A Casa Grande repousava após mais um dia de agitada atividade.

Em torno dela, no lusco-fusco da madrugada ouvia-se apenas os apitos monótonos dos guardas noturnos, os passos de algum retardatário e o ruidoso roncar dos carros que passavam no asfalto a dois quarteirões de distância. O quase silêncio, a disposição das ruas e casas, faziam pensar que se tratava de uma pequena cidade do interior. Na verdade a Casa Grande era localizada no coração da cidade mais moderna do Mundo, na cidade de Taguatinga, em Brasília.

Esse contraste, entre um sistema de habitação relativamente pobre, a maioria das casas feitas de madeira, as ruas laterais sem asfalto ou esgoto, era também peculiar da Casa Grande.

Oficialmente ela era apenas a residência de Tia Neiva e o orfanato chamado de “Lar das Crianças de Matildes”. Ali viviam cerca de cem pessoas, entre crianças e adultos na maior simplicidade, mas, ao mesmo tempo, era a sede, o coração da Doutrina Crística praticada com a maior autenticidade.

O Templo do Amanhecer ficava a três quadras de distância, mas seu papel de abrigo aos angustiados, era exercido realmente quando Tia Neiva estava presente. Naqueles dois pontos de Taguatinga a pequena multidão diária ia e vinha e a pergunta era sempre a mesma: – TIA NEIVA ESTÁ NO TEMPLO? Ou então: – TIA NEIVA ESTÁ EM CASA?

Deitada e com os olhos fechados Tia Neiva parecia dormir. Na verdade sua mente ágil trabalhava incessantemente. Um a um ela ia repassando os assuntos mais próximos do dia que findara. Pensava na dispensa que teria que ser reabastecida ainda para o almoço; naquele menino sem documentos que precisava trabalhar; no internamento daquela mulher cheia de filhos que precisava de hospital (É, – pensava ela – O JEITO É FICAR COM OS MENINOS – MAS ONDE COLOCA-LOS?); no Senador que estava aflito com seu filho viciado; na moça que a procurara logo cedo dizendo que estava grávida e que seu pai a mataria se soubesse; no homem cujo barraco pegar fogo e não tinha onde se abrigar com a família; na televisão dos meninos que precisava de conserto...

E assim, desde a hora que deitara seu pensamento não parara um minuto. Vez ou outra um Espírito desencarnado entrava no circuito e ela o doutrinava pacientemente.

Assim era a vida da Clarividente Neiva. Sempre consciente nos dois Planos, na Vida Física e no Mundo Etérico Invisível, ela cuidava de tudo e de todos sem interrupção.

Na medida em que a noite avançava e os íons solares diminuíam seu bombardeio da superfície da Terra, o Mundo Invisível ia se tornando mais movimentado. O Mundo das Sombras tomava conta da vida nesta parte do Planeta. Os Espíritos, libertos do magnetismo físico através do sono, percorriam sonambúlicos os arredores. Alguns subiam claros e leves enquanto outros se arrastavam com dificuldade, próximos aos leitos onde seus corpos repousavam. Uns brigavam e outros se abraçavam alegremente. Esse é o curioso mecanismo da vida na Terra que nos relaciona uns com os outros, à revelia de nossas posições sociais, idades e situações econômicas.

Próximo às quatro horas da madrugada, Neiva sentiu a presença de Mãe Tildes e saiu do corpo, penetrando instantaneamente na outra dimensão.

De imediato sua mente saiu da tensão física e ela se despreocupou. Assim acontecia todas as noites, todas as madrugadas. Enquanto repassava os problemas através do mecanismo psicológico sua ansiedade era grande. Logo que saia do corpo ela se despreocupava e entregava sua Missão nas mãos dos Mentores Espirituais. A partir desse momento, ela assumia com docilidade o papel de Clarividente a serviço do Pai, e sabia que iriam começar a surgir as soluções. O Mundo para ela, visto de dentro ou de fora do corpo, embora o mesmo, se apresentava muito diferente.

E assim, após sorridente troca de cumprimentos, Mãe Tildes e Neiva saíram em direção ao “Trabalho”, o mundo cabalístico onde seriam solucionados os problemas dos que buscavam a Corrente em busca de auxílio. Tantas vezes esse fato se repete que para Neiva tudo é natural. Ela caminha sem preocupações ou noção de tempo, embora saiba por onde está andando. Ela sabe como funcionam as coisas e quais os assuntos programados para aquela jornada.

Mas o Comando está nas mãos dos seus Mentores e ela aproveita para o relaxamento mental indispensável. Enquanto isso seu corpo entra em repouso completo. As etapas do caminho são demarcadas pela variação na luz e na iluminação, mas a jornada segue controlada pelas vibrações de Capela.

Logo em seguida elas se encontraram com Amanto, o Capelino responsável pelas jornadas de Neiva nos Mundos Etéricos. Depois dos cumprimentos de costume, o trio prosseguiu na Missão daquela noite.

Chegaram à Torre de Marselha, um conjunto arquitetônico situado no limiar do Canal Vermelho (1), já nosso conhecido pelas aulas anteriores de Tia Neiva. Nessa Torre existem uns dispositivos habitacionais que podem ser comparados com as residências da Terra. Na aparência essas “casas” são divididas como na Terra. Mas na verdade elas são separadas umas das outras por campos de força. Um habitante de campo vibratório diferente não penetra, a não ser que o morador o permita.

Passaram diante de uma dessas casas e nesse momento Neiva se deu conta de que esse era um dos objetivos dessa viagem. A casa pertencia ao Dr. Marcondes com sua família. Tão pronto pararam, Neiva o avistou caminhando para eles com um largo sorriso nos lábios, demonstrando tê-la reconhecido. Neiva permaneceu no limiar um pouco indecisa. Ela conhecia a lei que rege essa parte do Mundo Etérico, e sabia que sua entrada dependeria dos donos da casa. Isso não acontece por cortesia ou educação, mas sim por uma questão de Individualidade Cármica. Cada Espírito, ou grupos de Espíritos “habita” sua dimensão e tem seus privilégios.

Por isso ela ficou um pouco surpresa quando a esposa de Marcondes, uma senhora de uns quarenta anos mandou que eles entrassem. Entraram os três, mas para a família de Marcondes, haviam entrado apenas Mãe Tildes e Neiva... Mãe Tildes era visível para eles por estar na Aura de Neiva, o que, por razões técnicas, não estava acontecendo com Amanto, que era visto apenas por Neiva e Mãe Tildes.

Passados os momentos de surpresa inicial, nos quais as exclamações de Marcondes eram ponteadas de “óhs...”, “Oh, Tia Neiva!, Oh, Mãe Tildes!, que bom vê-las aqui, quanto me pedi a Deus por isso!”. Marcondes visivelmente emocionado começou a falar, mas logo foi interrompido pela esposa. Sua voz traduzia alguma ansiedade e era palpável sua preocupação em dizer tudo de uma vez.

– Já estou cansada de manda-lo embora Tia Neiva (disse ela), mas parece que ele está vacilando muito!

– Eu sei disso minha senhora (interrompeu Neiva), sou Clarividente e sei o que está se passando com vocês pois ainda vivo na Terra.

Mãe Tildes voltou-se para Neiva e perguntou: – Ela sabe, fia?

Neiva acenou com a cabeça afirmativamente e enquanto a senhora fazia menção de continuar falando, Marcondes exclamou em voz alta:

– Oh, minha doce Mãe Tildes! A senhora que já é uma Serva de Deus, tenha misericórdia de mim, alivie o meu sofrimento na Terra, ajude a acabar com isso de vez, aproveite que minha matéria já está cancerosa!

– Pobre Marcondes (respondeu Mãe Tildes) isso não depende de mim, mas sim do seu carma. Volte para seu suplício porque você ainda não terminou a sua pena!

Voltou-se então para a esposa de Marcondes e continuou:

– Ora por ele minha filha, apenas mais algum tempo e ele estará com você, tenha paciência.

Marcondes então despediu-se da mulher e das visitantes e partiu para a Terra, sob os olhares consternados das três mulheres.

Logo em seguida a simpática senhora convidou-as a se instalarem melhor, ela mesma se revestindo de um ar de tranqüilidade.

– Pois é Tia Neiva (começou ela), nós viemos do Engenho Velho lá da Bahia. Mãe Tildes nos conhece bem, pois fomos vizinhas naquela feliz encarnação.

Mãe Tildes acenou para Neiva como a confirmar o que a senhora acabara de dizer e ela continuou:

– Nesse tempo Marcondes era dono de um Engenho e recebemos em nosso lar dezesseis filhos, todos espirituais!

– Ah, como foi maravilhoso! Imagine Tia Neiva, que todos eles haviam sido em encarnações anteriores tremendos vikings!.

– Oh meu Deus, como eles eram caprichosos e sanguinários.

– Mas a feliz oportunidade, dessa encarnação junto a Marcondes em nosso lar cheio de amor, tornou possível transformar aqueles terríveis vikings nos atuais Cavaleiros de Oxosse.

– A propósito (perguntou Neiva), onde estão eles agora?

– Como Cavaleiros de Oxosse eles agora estão integrados na nova organização de São Sebastião. Dos meus dezesseis filhos, cinco eram mulheres e elas agora estão integradas em outras Falanges, junto às suas Almas Gêmeas. Esta Mansão porém continua sendo o lar delas, o nosso lar.

– Mas porquê (perguntou Neiva), o Sr. Marcondes continua na Terra e tão desnorteado?

Não (disse ela), ele não está desnorteado, ele está na Terra porque pediu a Deus por isso.

Ele mesmo pediu a Deus para reencarnar?

– Sim Tia, ele mesmo pediu. Depois da encarnação do Engenho Velho, quando já estávamos reunidos aqui nesta Mansão, embora feliz por estar com sua própria família, ele não estava em paz.

– Mas, o que é que o afligia?

– Certos erros cometidos durante a encarnação do Engenho Velho.

A senhora sabe, não é Tia? Na Terra as nossas preocupações com a gente mesmo fazem com que esqueçamos dos outros, dos nossos cobradores que também vieram para se reajustar e precisam de nós, de nossa riqueza. Foi o que aconteceu com a gente.

Quando partimos para a encarnação do Engenho Velho todos haviam nos avisado que tínhamos pedido muito. Nossas dívidas eram muitas e as cobranças seriam grandes, pedíramos demais.

De fato, assim foi, mas graças ao nosso amor conseguimos tudo que vocês estão vendo.

– Mas (perguntou Neiva), se tudo saiu tão bem, porque o Sr. Marcondes teve que voltar à Terra, teve que reencarnar?

– Porque quando ele se encontrou aqui, com o Espírito livre das amarras da Terra, ele viu tudo que havia feito, mas também viu tudo que não havia feito!

– Ele então pediu para voltar, e Deus através dos seus Ministros concedeu-lhe essa prova, ou melhor, essa missão que está cumprindo.

– Sim (disse Neiva), mas afinal o que foi que ele deixou de fazer?

– Marcondes no Engenho Velho era inclemente com os menos afortunados da sociedade. Ele pisava naqueles que julgava estarem errados, ele sempre se arvorava em juiz do povoado!

Oh meu Deus, ainda está vivo em minha memória o caso daquela viúva cheia de filhos! A maioria deles havia descambado para o vício e o roubo. Um dia uma de suas filhas foi espancada pelo marido, devido a um roubo que ela havia cometido e o caso se tornou público. Marcondes ficou furioso e puniu a pobre mulher com violência excessiva. E a partir daí passou a perseguir aqueles Espíritos desatinados com uma ira implacável. Como sofreu aquela viúva!

Depois de nosso desencarne quando nos instalamos em nossa Mansão, Marcondes soube que eles também haviam desencarnado, mas que já tinham reencarnado para reajustar-se dos desatinos que haviam feito no Engenho Velho.

Inquieto pelo que havia feito a eles nessa encarnação, ele pediu para reencarnar também. De acordo com seu Plano de Trabalho, ele acabou por se tornar o marido da antiga viúva, que por sinal era novamente viúva quando Marcondes a encontrou. Por outra incrível “coincidência” ela já era mãe de alguns filhos, e ao casar-se novamente com Marcondes, teve outros filhos com ele e completou dezesseis filhos, o mesmo número que tinha no Engenho Velho!

Para o Quadro ficar mais completo, dentre os filhos gerados por Marcondes estava aquele Espírito que no Engenho Velho fora a ladra espancada por ele. Quando eles conheceram a senhora Tia Neiva, essa moça era casada com o mesmo Espírito que no Engenho Velho fora seu marido...

Enquanto a simpática matrona falava, Neiva de repente desandou a rir para ela mesma. Mãe Tildes olhou para ela com ar de censura pela atitude insólita e ela, dominando o riso explicou: – Pois é Mãe Tildes, desde o dia que conheci essa família ela nunca mais me deu sossego. Imagine Mãe Tildes, que a primeira vez que fui procurada por Marcondes, foi justamente porque seu genro havia dado uma surra na mulher, na sua filha, e o motivo foi de um roubo cometido, aparentemente por ela! Desta vez porém, Marcondes agiu de forma bem diferente daquela do Engenho Velho. Com toda paciência conseguiu reconciliar o casal e tudo acabou em boa paz. Por sinal que atualmente esse casal é Médium no Templo do Amanhecer. A mesma atitude ele teve com os outros filhos e todos estão bem encaminhados. Já faz cinco anos que acompanho essa família! Apesar disso, dessa atitude correta de Marcondes, dona Judith nunca lhe deu sossego. Ela era um desses Espíritos que nós, na nossa linguagem simples do Vale do Amanhecer, costumamos chamar de “Espírito sem procedência”.

Nisso Neiva percebeu que a visita estava chegando ao fim, que a missão deles naquela Mansão estava terminada para essa jornada. A mulher com olhos que imploravam disse: – Tia Neiva, enquanto Marcondes viver, essa mulher irá cobra-lo sem piedade. Ajude-o Tia, sei que no Plano Físico a senhora tem muito poder e pode fazer muita coisa!...

– Oh meu Deus! (exclamou Neiva), me dê muita força, me sinto tão doente...

– Não minha irmã, não desanime, Jesus e Pai Seta Branca precisam muito da senhora (disse ela com ar compungido).

– Salve Deus (disseram Mãe Tildes e Neiva) e partiram junto com o invisível Amanto.

Os três passaram pela Torre de Marselha e viram que estavam chegando inúmeros Espíritos recém desencarnados. Um grupo de Mensageiros se preparava para socorrer os flagelados de uma grande enchente que estava havendo num dos Estados do Brasil. Isso fez com que Neiva se lembrasse de suas obrigações Missionárias, e ela se apressou no caminho de sua Cabala (3). Nesse Santuário ela iria manipular as Forças Desobsessivas, e ajudar no recartilhamento dos complicados carmas terrenos.

Neiva despertou com a voz de Gertrudes que a chamava. – Madrinha, madrinha (dizia ela) acorde! Tem uma moça esperando pela senhora aí na sala, uma filha do Sr. Marcondes que veio busca-la, ele está passando muito mal!

Neiva entrou no Plano Físico, conservando na memória o quadro vivo que presenciara naquela Mansão dos Marcondes. A Casa Grande estava no seu habitual burburinho. Crianças brincavam ruidosamente no pátio, pessoas insistiam em falar com Neiva, Gertrudes reclamava de Neiva a TV dos meninos, o Farol do Dia (4) avisava que havia poucos Médiuns para o Retiro e, a filha de Marcondes passeava impaciente de um lado para outro à espera de Neiva.

Assim mesmo, sem se desligar do Quadro vivido na madrugada, ela foi até o Hospital São Vicente onde Marcondes estava internado. O táxi deixou-a na porta do hospital, e a filha de Marcondes levou-a para o quarto do doente.

Neiva olhou para aquele homem, que poucas horas antes falara com ela com tanta firmeza, quando ainda no Plano Etérico, e buscou em seus olhos alguma centelha que lembrasse o fato. Nada! Ele não se lembrava de coisa alguma. A cobrança cármica se processava com perfeição!

Deitado na cama alta do hospital, seu rosto revelava os sulcos profundos da dor implacável do câncer. Os olhos febris procuravam os de Neiva num pedido mudo de piedade.

– Tia Neiva, Tia Neiva (murmurou ele com voz dolorida) não me deixe morrer, por favor Tia, ajude-me, ajude-me!

Neiva sentiu seu coração apertar. O elegante Marcondes de algumas horas antes na Torre de Marcelha, que com tanta firmeza pedira a Mãe Tildes para desencarnar logo, para acabar com seu sofrimento na Terra, pedia-lhe agora para não deixa-lo morrer!

Nisso entrou pela porta a dentro dona Judith, a esposa térrea e cobradora do antigo Engenho Velho. Tão pronto ela deparou com Neiva, foi logo dizendo: – A senhora tá vendo Tia Neiva? Ele está aqui de teimoso e de pirraça! O pior é que vai acabar morrendo e me deixando sem dinheiro, cheia de filhos e sem nada no que me agarrar.

Marcondes levantou a cabeça sem poder sopitar um gemido de dor, e com ar resignado disse: – Oh benzinho! Não é assim como você está falando, isso que eu tenho não é um simples resfriado, há muito tempo que eu tenho estes caroços no pescoço e não sei como isso foi acontecer comigo!

Dona Judith voltou-se para ele com ar irado e retorquiu: Como não sabe? E as pescarias e as cachaças em que você se meteu? Foi nelas que você pegou essa porcaria toda! Só depois que nós conhecemos essa santa mulher, que você tomou um pouco de vergonha. Agora veja a miséria em que você nos meteu!

Nesse momento entrou um médico de serviço. Usava barbas compridas que lhe davam um ar maduro e no pescoço trazia o estetoscópio. Ele olhou para a cena desagradável com ar de quem já está habituado a isso, e seus olhos fitaram Neiva por cima dos óculos, com um misto de respeito e curiosidade.

Neiva aproveitou a oportunidade e acenou para ele do canto onde se achava. Ele atendeu gentilmente e Neiva discretamente, sem que os outros ouvissem, perguntou sobre Marcondes. Câncer! Foi a lacônica resposta que ela recebeu. Diante do olhar sério de Neiva, ele suavizou um pouco a expressão e perguntou: A senhora é parente dele?

– Não! (disse ela) Sou apenas uma amiga do casal, meu nome é Neiva.

– Ah sim, a senhora é Tia Neiva. A senhora tem um orfanato aqui perto, não é?

Neiva confirmou com a cabeça e agradeceu a ele. Dona Judith continuava a vociferar e o ambiente do quarto do doente era o pior possível. Marcondes voltara a encostar a cabeça no travesseiro e cerrara os olhos com ar de submissão. Neiva não podendo mais suportar aquela cena, despediu-se discretamente e voltou para a Casa Grande.

Gertrudes guardara um prato de comida para ela, mas Neiva quase não comeu. Logo começou a atender a ruma de consulentes que naquele dia era maior que de costume, mas não conseguia se tranqüilizar. Ela sabia que Marcondes estava prestes a morrer, mas o quadro continuava o mesmo: Dona Judith não parava de praguejar e as dores do paciente aumentavam horrivelmente.

E assim a situação continuou ainda alguns dias, até que fossem libertados todos os obsessores que compunham aquele Quadro triste. Neiva não voltou ao hospital, mas não parou de fazer trabalhos para ajudar aqueles Espíritos em reajuste. Marcondes não voltou à Mansão Etérica, enquanto não se libertou com a morte.

Passaram-se alguns meses depois da morte de Marcondes, um dia Neiva recebeu surpresa, a visita de Dona Judith!

Ela parecia mais moça e tinha um ar sorridente. Apresentou à Neiva um senhor de uns 60 anos com quem havia se casado alguns dias atrás. Neiva então se lembrou que a idade dela já beirava pelos 65 anos e sorriu polidamente. Tomaram um cafezinho que Gertrudes serviu, e Neiva não pode deixar de notar que Dona Judith havia se transformado na mulher mais feliz e bondosa do mundo...

Os anos foram passando e Neiva continuou sua Missão Crística.

Em 1969 a Ordem se mudou para o Vale do Amanhecer e com Neiva seguiu a ruma de crianças, moças e velhos que compunham a Casa Grande.

O Vale cresceu, a Doutrina do Amanhecer evoluiu, o mundo deu mais umas voltas no sidério e a vida continuou.

Nesse domingo, depois de uma Aula na qual Neiva aproveitara a história de Marcondes para ilustrar o problema dos reajustes, ela sentou no Castelo dos Devas para o “Emplacamento” de Médiuns. Esse trabalho que Neiva faz quase todos os domingos, representa o esteio da autenticidade do Vale do Amanhecer. Os Médiuns vão sendo desenvolvidos pelos Instrutores e quando já estão em condições de atender o público, são “classificados” ou “emplacados” por Neiva.

O Médium senta-se ao lado dela e atrás dela fica um Doutrinador. É feita a chamada do Mentor e Neiva pela sua Clarividência, se entende com o Mentor do Médium. Escreve então o seu nome num Cartão que o Médium usa a partir desse dia. Esse Cartão é autenticado com a conhecida assinatura de “Tia Neiva”.

A jovem Médium sentou-se, o Doutrinador fez a chamada e Neiva, surpresa, deparou com a figura de Marcondes! Ela o reconheceu imediatamente e perguntou o que ele estava fazendo ali, tão longe de sua Mansão Etérica.

Ele sorriu e apontou para uma Preta Velha que estava ao seu lado, que também sorriu. Neiva então reconheceu aquela Preta Velha, a linda senhora da Mansão, a esposa espiritual de Marcondes!

Sem parar de falar no Plano Físico com as pessoas que a cercavam, Neiva estabeleceu um diálogo com o casal. Eles então explicaram que tinham vindo para falar com ela, pois haviam pedido a Deus a oportunidade de trabalhar na Terra, no Vale do Amanhecer, desenvolvendo Médiuns.

– É verdade Tia (disse Marcondes), que nós não temos muito para dar, pois ainda não temos graças para isso, mas nos sentimos felizes em poder pelo menos ajudar a abrir as incorporações dos Aparás. Graças a Deus nossos filhos também estão aqui. Salve Deus, Tia Neiva!

Neiva ficou comovida, mas atenta na sua Clarividência, viu que a jovem Médium que ela iria classificar naquele momento, era um Espírito que na Encarnação do Engenho Velho fora filha da viúva que Marcondes tanto perseguira. Só que essa Médium era uma das filhas de Dona Judith, do seu primeiro casamento, concebida antes que Marcondes aparecesse em sua vida!

 

Com carinho,

A Mãe em Cristo.

 

Notas do Texto

(1)    O Canal Vermelho é uma Casa Transitória para readaptação de Espíritos portadores de idéias e superstições em torno da reencarnação. Ele é caracterizado pelo fato específico de que os Médiuns, durante seu sono na Terra, podem trabalhar no Canal Vermelho, levando consigo o Fluído Magnético Animal de sua Mediunidade.

 

(2)    Vikings eram antigos guerreiros navegadores, que fizeram expedições de conquistas entre os anos 800 e 1100 no norte da atual Inglaterra e toda a região circunvizinha. Eles eram considerados ferozes guerreiros, usavam cabelos compridos e barbas longas, geralmente eram ruivos avermelhados. Seus barcos tinham esculpidas nas proas cabeças de dragões, e suas legendárias figuras são sempre vinculadas a heroísmos e guerras.

 

(3)    Cabala – Palavra Hebraica que designa aspectos secretos de uma Doutrina. Para a Doutrina do Amanhecer a Cabala é o ponto no Plano Etérico onde são manipuladas as energias da regência da Clarividente Neiva. Por isso ela se refere sempre a “minha Cabala”.

 

(4)    Farol do Dia é o Doutrinador responsável pelo Retiro daquele dia no Templo do Amanhecer.

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